Startup cria ‘sangue artificial’ e recebe aporte do Pentágono
Solução é testada para dar maior sobrevida a órgão doado para transplante e para socorrer acidentados
Fundada pelo investidor brasileiro Luis Claudio Garcia de Souza (ex-Pactual e Rio Bravo), a startup de biotecnologia Virtech desenvolveu uma solução à base de hemoglobina com oxigênio semelhante ao sangue que chamou atenção do Pentágono, o departamento de defesa dos Estados Unidos. A divisão do governo americano fez um aporte de US$ 13 milhões que impulsiona agora a fase de pesquisa clínica do projeto. O objetivo é usar o produto para evitar choque hemorrágico em pacientes vítimas de traumas e para dar maior sobrevida aos órgãos doados para transplante.
O Pentágono se interessou pela possibilidade da solução evitar o choque hemorrágico, um problema que afeta militares em combate ou civis que sofrem traumas, como acidentes de automóvel. Nesses casos, a hemorragia costuma ser a principal causa de morte, uma vez que é comum não haver tempo hábil para uma transfusão. As pesquisas realizadas até agora mostram que a solução, injetada no organismo como um substituto temporário do sangue, aumenta consideravelmente o tempo para a vítima chegar num hospital para transfusão.
A captação dos recursos com o Pentágono, que já alocou US$ 4 milhões nos últimos dois anos e aplicará o restante no decorrer do projeto, foi feita com a ajuda de Dallas Hack, um médico militar americano que esteve nas guerras do Afeganistão e Iraque e após se aposentar do serviço militar, em 2015, decidiu se dedicar às pesquisas em biotecnologia.
Hack conta que presenciou, durante os combates, “traumas incríveis que nunca tinha visto na faculdade de medicina ou nos treinamentos – perdermos muita gente por falta de tecnologia. Não fizemos muito para melhorar o atendimento ao trauma desde a Guerra do Vietnã. Isso é uma coisa triste no sistema de informação de pesquisa médica dos EUA, que usa dinheiro para pesquisa com doenças crônicas, mas não para traumas”, disse Hack. “Para o Pentágono esse projeto é prioridade número 1”, complementou o médico militar, que esteve em São Paulo, na semana passada, visitando a PUC-Campinas e Unifesp para possíveis parcerias nos estudos clínicos. Ele também esteve na Argentina.
As pesquisas mostraram ainda que a solução – batizada de Oxybridge – também permite que órgãos humanos doados para transplante tenham uma sobrevida maior. Acredita-se que esse tempo pode dobrar. Hoje, utiliza-se gelo para manter o órgão em boas condições para a cirurgia, mas apenas por nove horas, em média, e muitos transplantes são perdidos. Essa é uma realidade mundial.
A idealização desse projeto partiu de uma experiência pessoal de Souza. Sua esposa faleceu em 2012, após dificuldades num transplante de fígado. “Minha esposa tinha hepatite C. Fizemos um transplante nos EUA bem- sucedido, mas o vírus da hepatite não negativou e depois de um tempo foi preciso outra cirurgia. Estávamos em São Paulo, num período de Natal, e não conseguimos um órgão compatível”, contou Souza. O investidor passou a estudar o tema e fez doações à University of Pittsburgh, referência em transplantes no mundo. Lá, conheceu o médico brasileiro Paulo Fontes, que pesquisava uma solução carregada de oxigênio que se assemelha ao sangue. Assim, surgiu a Virtech, com sede em Boston.
Depois, Souza investiu em outros projetos de biotecnologia e criou uma holding, a Securitas, que hoje tem sete “healthtechs”, sendo três com sede nos EUA e quatro na Argentina. “Apesar da crise, a Argentina é um centro de excelência médica. De lá saíram, três Prêmios Nobel. É também uma forma de incentivar a pesquisa na América Latina”, disse Souza, que prefere ser identificado como um “company builders” (construtor de empresas), e não investidor, porque começa seus negócios do zero. Na área financeira, ele participou da criação de diversas instituições como Pactual, Rio Bravo, RB Capital, Capitalys e Credihome.
Nesses primeiros dez anos, o investimento na startup veio de recursos próprios de Souza. No total, a holding Securitas já recebeu US$ 21 milhões, sendo US$ 13 milhões do Pentágono para a Virtech. Na área de biociência é comum investidores individuais colocarem dinheiro por longos períodos em projetos de determinados cientistas, como ocorreu com o brasileiro Paulo Fontes. Quando a pesquisa entra em fase de testes clínicos é que os fundos fazem seus aportes. Uma das “ventures builders” mais conhecidas é a Flagship Pioneering, que há muitos anos investiu no desenvolvimento do RNA mensageiro da farmacêutica Moderna, molécula hoje usada na vacina contra a covid-19.
A expectativa é que a solução usada para transplantes esteja no mercado entre 2023 e 2024, segundo Matias Vidal, presidente da Securitas. Já a aplicação nos casos de choque hemorrágico requer mais alguns anos de pesquisa clínica em humanos. Esse trabalho deve ser realizado na Argentina, em hospitais pré-credenciados pelo Food and Drugs Administration (FDA).
Publicado por Valor.